O monstro cá dentro
Às vezes parece-me que temos todos o mesmo rosto, que nada nas feições de todos os seres humanos realmente se distingue. Não importa se uns são altos e outros magros, uns têm olhos verdes e outros são ruivos. Parece-me que, pelo menos num instantâneo vislumbre, todos os nossos característicos traços se fundem numa amalgamada similitude.
Se calhar, até somos mesmo todos assim, indistintos e vulgares, mas seguimos no mundo achando-nos únicos e originais...
Mas esta ideia de democrática aparência até nos poderia ser aprazível, e fazer-nos sentir confortáveis nesta imensa pele humana toda justamente igual.
Os detestáveis preconceitos, todos os que nascem à flor da pele, deixariam automaticamente de terem essa estúpida razão de existir.
A justiça seria porventura mais inteligível e a paridade mais eficazmente garantida.
Tudo correria hipoteticamente bem – até encontrarmos os monstros e nos vermos reflectidos nos seus rostos.
Não, os monstros não são como nós. Os terroristas, os assassinos, os ladrões sem escrúpulos, os violadores, os impostores, os agressores – não têm nada a ver connosco, e nós não podemos ter nada em comum com eles.
Eles circulam no meio de nós, todos o sabemos. Mas não são como nós e a diferença é (tem de ser!) óbvia, jamais se poderiam confundir connosco.
Precisamos impreterivelmente da diferença, para sermos melhores, para sabermos que somos melhores. Para tranquilizar as nossas consciências e dormirmos descansados à noite.
Sem despertarmos o monstro cá dentro.