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Crónica do Quotidiano

Ana Pinto

Crónica do Quotidiano

Ana Pinto

Anatomia do abraço

Foto de Anna Shvets no Pexels

Não se vive sem um bom abraço. Ou pelo menos, viver custa mais.

Não é à toa que me despeço quase sempre dos leitores, que têm a gentileza de me deixarem os seus comentários, com um abraço. Sei bem que não lhes posso oferecê-lo senão virtualmente, mas o que formulo é o desejo sincero que o recebam, não necessariamente o meu, mas aquele abraço que lhes faz mais falta, seja o bálsamo que serena onde dói mais, seja a celebração que os deixa mais felizes.

Porque um abraço é tudo de bom. E o que é mais encantador no abraço, quanto a mim, é que nele podemos ser ora os emissores, ora os receptores, ou até ambos ao mesmo tempo.

Todos sabemos como um bom abraço pode ser remédio santo. É panaceia garantida para uma série de maleitas, desde o cansaço agudo às saudades mais graves.

Mas não se pense que os abraços são todos iguais, nem que servem todos os mesmos fins.

Há, com certeza, os abraços genéricos, mas são apenas um pequeno cumprimento que se administra sem muito cuidado, e que se recebe em modo anti‑inflamatório ligeiro. E com os anti‑inflamatórios, nunca se sabe: às vezes uma dose é suficiente, outras nem chegam a surtir efeito.

Para condições mais particulares, esse tratamento tópico não basta, são necessários abraços mais específicos.

Por exemplo, o abraço‑envelope (também apelidado de abraço‑cobertor), que abriga o destinatário envolvendo‑o por completo, como um envelope que o sela, ou como um cobertor que aconchega. O abraçado pode repousar a cabeça num ombro ou no peito, rodeando, por sua vez, a cintura do abraçador com os seus braços. Este é um abraço muito indicado em crises de adolescência, corações partidos generalizados, e, particularmente em situações de dor profunda por luto – mas neste último caso só é aconselhável se o abraçador já tiver experienciado por si próprio a sintomatologia da partida de um ente amado, pois de contrário poderá não saber aplicar com rigor a pressão certa pelo tempo adequado, nem a dose correcta de ternura a dispensar.

Há também a particularidade do abraço‑cruzado, no qual os braços ficam um por cima e outro por baixo. Este é o abraço que geralmente é aplicado após um longo período de ausência ou de distanciamento entre os dois interlocutores. O efeito é cruzado e bidireccional, porque o sintoma de saudade pós-traumática tem de ser mitigado nos dois sentidos. Há que abraçar e ser abraçado, para que o alívio da dor seja alcançado e os efeitos sejam duradouros.

Não é indiferente se os braços dos interlocutores estão por cima ou por baixo. Quando abraçamos alguém pelos ombros, para além do efeito aconchego, há também o efeito acolhimento, as boas‑vindas que damos a quem queremos bem. Se queremos celebrar o outro, por um sucesso alcançado, ou por cumplicidade com a sua ocasional alegria, tendemos a abraçá-lo por baixo dos seus braços, como se erguêssemos o afecto e o bem que lhe desejamos, à laia de trofeu.

Mas há uma ressalva que é imprescindível fazer. Os abraços só são autênticos se forem administrados de olhos fechados. Só de olhos fechados podem realmente surtir o efeito desejado. Porque tudo o que é sublime e promove felicidade usufruímos de olhos fechados, como um beijo apaixonado, uma iguaria deliciosa, ou uma música que nos enche a alma. Um bom e verdadeiro abraço não é diferente. Se assim não forem, não são abraços de verdade, mas uma espécie de sucedâneos de circunstância, restringidos por um qualquer protocolo, e que não oferecem nem conforto nem afecto. Coíbam-se de os dar e esquivem-se de os receber!

Porque, afinal, um abraço é o que nos une, desde sempre e para sempre: desde o nascimento, quando somos logo envolvidos no cálido entorno de quem mais nos ama e tanto esperou pela nossa chegada; até à morte, onde a memória do último abraço consola a nossa eterna saudade.

O abraço é o que nos faz sentir livres e seguros na mesma medida, porque nele o amor flui de uma pele para a outra, de um batimento cardíaco para o outro.

Por isso, abracem, que melhor remédio não há. Abracem muito, tanto quanto precisem, tanto quanto possam. Dêem o vosso e recebam o que vos é dado, com a mesma intensidade.

Ah, e caso estejam a perguntar‑se, o meu abraço de eleição é o que é dado ao mesmo tempo, sem receita, sem hora marcada, nem dose recomendada. Cura‑me tudo!

E vocês, qual é o vosso abraço preferido?

 

Anatomia do abraço [Reel]

 

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